Uma mulher que estava desaparecida há 21
anos foi resgatada por uma força-tarefa em uma casa onde prestava serviços
domésticos sem remuneração em Santa Maria,
na Região Central do Rio Grande do Sul, no final de junho. No entendimento do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Adelaide Alexandrete, de 45 anos,
foi vítima de trabalho semelhante à escravidão durante todo o período.
“Era uma prisão, né? Só trabalhar, só
trabalhar, tu tem que ter liberdade, né? Aos finais de semana, poder sair,
poder ir numa loja, comprar uma coisa pra ti, ou sair numa coisa. E ali eu
ficava só ali dentro, não podia ir pra lugar nenhum, eu ficava ali só
trabalhando, só trabalhando”, relata Adelaide.
Após o resgate, Adelaide foi enviada para um
abrigo do município. O Ministério Público do Trabalho (MPT) também entrou no
caso e acertou o pagamento de verbas rescisórias à mulher pelo
empregador. O MPT busca, agora, reaver as mais de duas décadas de serviços
prestados como doméstica sem remuneração.
“A gente identificou que foram 21 anos sem
receber salários. Ela nunca teve férias, não tinha descanso semanal remunerado,
geralmente aos domingos, décimo terceiro, férias. Nada ela recebeu”, afirma o
auditor fiscal do trabalho Rudinei Previatti da Silva.
De acordo com as autoridades, o local em que
Adelaide foi resgatada era separado por duas estantes vazadas, o que
permitia que ela fosse monitorada 24 horas por dia. Ela afirma que tinha
que tomar banho em uma bacia ao lado do quarto porque o banheiro não tinha
chuveiro.
O procurador do Ministério Público do Trabalho
Alexandre Maria Raganin diz que o empregador alega que acreditava que estava
“fazendo um favor a uma pessoa em situação de vulnerabilidade, que não tinha
como residir, e estava dando abrigo para ela”.
“O que a gente precisa deixar muito claro é que
a legislação não autoriza que alguém, se valendo da condição de
vulnerabilidade, explore da condição de vulnerabilidade, explore da condição de
trabalho em troca apenas da sobrevivência. Isso não tem autorização da
legislação brasileira. Terminou há mais de 100 anos”, sustenta o procurador.
A Polícia Federal (PF) de Santa Maria informou
que acompanhou o resgate e aguarda o encaminhamento das informações do caso
pelo MPT para decidir se vai instaurar um inquérito.
Prontuário médico deu início ao caso
Um prontuário médico de um serviço público de
saúde de Santa Maria deu início ao caso. “Paciente extremamente ansiosa, não
recebe salário para trabalhar e não tem permissão para ir e vir livremente”,
diz um trecho da anotação. O documento trazia, ainda, um questionamento: “paciente
submetida a trabalho escravo?”.
O questionamento acendeu um alerta no MTE. A fiscalização, então, decidiu ir até a casa da família em que ela trabalhava“A gente se apresentou e pediu para falar com a dona Adelaide. Acessamos o local que ela estava e ela já saiu com a cara branca dizendo ‘é comigo, comigo, comigo’. Visivelmente, a gente sentia o pânico no rosto dela”, relembra o auditor fiscal do trabalho Rudinei Previatti.
Reencontro com a família e planos
O registro do desaparecimento de Adelaide foi feito em 2008 na Delegacia de Polícia de Três de Maio, no Noroeste do estado, mas nunca houve retorno para a família. A mãe disse ter enviado mais de 170 cartas para programas de TV. Uma irmã de Adelaide também costumava publicar pedidos de ajuda em redes sociais.
“Eu já não caminhava mais, eu vivia caindo e
levantando à procura dessa filha, perdendo serviço, perdendo emprego, não comia
mais, não dormia mais, só chorando”, diz a mãe de Adelaide, Delides Alves
Garcia.
Adelaide não sabia que era procurada. “Todo
mundo achava que eu tava morta, né?”, disse à reportagem da RBS TV.
Após o resgaste, a equipe do abrigo para onde
Adelaide foi levada conectou ela e a mãe por telefone. A emoção marcou o
momento do reencontro.
“Eu não acredito, minha filha, que tu tá aqui. Eu não acredito, meu anjo”, disse a mãe, emocionada.
Após refazer os laços afetivos com a família, Adelaide quer concluir os estudos. Ela cursou apenas até o 6º ano do Ensino Fundamental. A mulher também quer abrir uma loja para vender as roupas que ela mesmo produz.
Fonte: Obervador Regional