Fotos: Mateus Bruxel/ Agência RBS
João dos Santos Teixeira, 90 anos, começou a cortar cabelo na década de 1940
João dos Santos Teixeira, 90 anos, cortava o cabelo de um cliente na
manhã de sexta-feira (6). O dono do Salão Santa Bárbara, em Encruzilhada do Sul,
no Vale do Rio Pardo,
manejava uma tesoura e um pente azul: à reportagem, disse ter feito esse
trabalho pela primeira vez aos 14 anos.
— Por necessidade, aprendi “solito” a cortar o cabelo do meu pai e dos
meus irmãos — conta.
Seu João Barbeiro, como é conhecido na cidade de 26 mil habitantes,
trabalhou em lavouras de arroz na infância e na adolescência, época em que fez
os primeiros cortes de cabelo nos colegas de trabalho.
Ele morou um ano em Porto Alegre, onde foi funcionário de uma
lavanderia. De volta a Encruzilhada do Sul, aceitou um convite para trabalhar
em uma barbearia. Lembra, inclusive, da data do primeiro dia no novo emprego: 6
de junho de 1957, quando tinha 25 anos. Desde então não fez outra coisa senão
cuidar do cabelo e da barba de moradores do município e região. Ficou na
mesma barbearia por nove anos e saiu do estabelecimento porque o dono teria se
incomodado com o trabalho do jovem.
— Fui despedido pela qualidade do meu serviço. A freguesia queria cortar
só comigo. Eu pagava comissão do meu trabalho (para o dono do
estabelecimento), e ele me pediu o lugar, com nove anos de serviço —
afirma.
Demitido, João foi incentivado, por amigos e familiares, a “colocar na
Justiça” o antigo patrão. Diziam que ele não poderia “sair sem nada” do
trabalho de quase uma década. Ignorou os conselhos:
— Me diziam que eu ia perder esses nove anos de trabalho. Eu dizia que
não, porque ali eu ganhei a minha profissão, pude então trabalhar por minha
conta.
Após sair da barbearia, João ficou seis anos em outro salão da cidade,
até conseguir dinheiro para erguer o próprio estabelecimento em um terreno
comprado à época. Na década de 1970, ele construiu o salão e se mudou para o
ponto em frente à Praça Júlio de Castilhos (hoje Praça Dr. Ozy Teixeira), a
principal da cidade.
Os clientes e amigos se misturam: vai ao salão gente do Interior, do
comércio local, outros de fora que visitam familiares na cidade. Alguns passam
apenas para falar com o barbeiro, como era o caso de Leonardo Szczesny, 80
anos, pedreiro, conhecido na região como “Polaco”.
— Fui um dos primeiros fregueses dele, sempre gostei dos cortes. É o
melhor homem da tesoura. Desde meus 18 anos, só não cortei com o João quando
ele não estava. Igual não tem, esse é profissional — diz.
João foi casado com Selma da Luz Teixeira, que morreu em 2009, após 50
anos de união. Eles tiveram três filhos: um homem e duas mulheres; todos
seguiram a profissão do pai. A única viva é Maria Rejane da Luz Teixeira, 62
anos, que há quatro décadas ocupa a segunda sala do prédio. Enquanto ele se
dedica à clientela masculina, ela cuida da parte feminina.
— Ele (João) sempre foi bastante ativo, não consegue ficar parado em
casa. É uma pessoa bem querida, comunicativa. É conhecido por todo mundo aqui —
diz a filha.
A rotina do barbeiro começa todos os dias entre 4h e 5h: toma banho,
apronta o café da manhã, se veste e, depois, caminha cerca de 1,5 km de casa ao
salão. Abre o estabelecimento por volta das 8h e segue até o meio-dia, quando
interrompe o serviço para almoçar com a filha. Às 13h30min, João volta às
atividades, que seguem até por volta das 18h ou, a depender do movimento,
terminam mais cedo ou mais tarde. O salão não abre apenas aos domingos e
feriados.
O profissional cobra R$ 20 pelo corte do cabelo e outros R$ 20 para a
barba, sem desconto no caso de o cliente optar pelos dois. O pagamento é feito
apenas em dinheiro, pois não há máquina de cartão de crédito ou opção de Pix no
salão. João atende média de 10 clientes por dia. Na manhã em que a
reportagem esteve no salão, o barbeiro tinha feito quatro cortes de cabelo e
uma barba.
A trajetória de Seu João rendeu-lhe uma moção de reconhecimento na
Câmara de Vereadores de Encruzilhada do Sul, em maio de 2022. A iniciativa foi
do vereador Antônio Félix Batista Sodré, o Periazinho.
— É o barbeiro mais antigo da nossa cidade em atividade, e talvez do
Estado. Ele faz parte da história de Encruzilhada do Sul. É uma pessoa humilde
e simples. Toda a cidade gosta dele, é uma homenagem merecida — pontua.
Questionado sobre a longevidade - ele ressalta o fato de ter 90 anos e
sete meses de vida -, o barbeiro não dá dicas de como chegar à idade que tem
hoje, mas conta parte da rotina adotada durante toda a vida:
—Levanto, tomo água, como frutas, tomo café com leite, caminho. Não
fumo, não bebo e não jogo, isso nunca fiz.
Se considerado o ano em que começou a cortar cabelo, em 1946, e a data
de publicação desta reportagem, Seu João soma 77 anos de profissão. Ele relata
que exames recentes mostraram boa saúde; também diz que se sente bem, disposto.
Sobre se aposentar, dissimula a hipótese de abandonar a profissão, diz que não
se vê longe do salão no futuro.
— Meu médico fala que adoeço se eu parar de trabalhar. Também acredito nisso. Paro domingo em casa e já me dá ansiedade, começo a pensar na minha freguesia. Enquanto puder, e minhas pernas aguentarem, sigo trabalhando — diz.
Rádio e TV Imigrantes Dom Feliciano
Fonte: Vinicius Coimbra/ GZH